terça-feira, 6 de dezembro de 2022

DESCOMPASSO MORAL SEM EMBARAÇO

 

faço troça, entorto o traço

destrato a troco de nada

imprimo o extrato


inadimplente

de cara limpa

sem cara amassada

cara e coroa

descaradamente 

duas caras


sem ímã, sem polo, sem norte

desfaço o que disse

contradigo

sou desses

sou o inverso do que quiseram 

seus deuses


sem dívida

direção

dobro a posta

jogo a moeda

desoriento

e trapaço


descompasso moral sem 

embaraço


.

 

amor

amorfo

metamorfo

polimorfo

até que morto

até que mofo

até que outro

ataque outro

catequize outro


A REALIDADE SE IMPÕE

a realidade se impõe

tratora


acordo com sol cá dentro

levanto com chuva lá fora


narro e costuro

me agarro na história


desfia, puída

na força do tempo

mandala de areia

desfeita no vento


sustento no peso inconstante do agora

domingo, 4 de dezembro de 2022

PENSO, PENSO, PENSO

nem dito, nem feito

dito, mas não feito

premedito

aquilo em que me gasto

mais antes que durante

círculo maldito


naquilo em que me arrasto

me torturo a prazo

me adio


me alongo e me contraio

me desgasto

na medida em que degusto

o gosto da angústia

ácido, azedo, amargo


fico atrás do traço

ando atrás, parado

na esteira, no projeto

me desfaço num cansaço

penso, penso, penso

mas não faço


terça-feira, 22 de novembro de 2022

NOVA ESTRELA


braçadeira

sol, estrela, cruz

arco-íris

numa bandeira

hino sem canto

desencanto

comendo pelas beiras

canteiro de obras

tijolo, bola e caveira

foco, força, fé

fuzil semiautomático

balada, mesquita, estádio

igreja


mais uma vez catar os cacos

representar os fatos

e adorar a chance de uma nova estrela


ajoelha


sábado, 13 de agosto de 2022

NECRO / ECO / EROS

me chamaram de estraga prazeres

eu sugiro um prazer estragado

tirar do formol corpo morto

totem mítico, conservado

dar aos vermes de vez avatar

capaz, másculo e pálido

decompor fato consumado

consumido, putrefato


dar às larvas, a lavra, a palavra

fundo mundos e mundos em fungos

urubus, bactérias, seus reinos

sem rei, capital, nem pecado

dar matéria orgânica à raiz

solo fértil, úmido, rizomático

no qual não se perde ou se cria

tranforma-se, pois já és transformado


num valor outropocêntrico

normal ou excêntrico, se decide?

androginutopias

naturais, artificiais

natureza e cultura coincidem


junto eco, necro e eros

não me furto, cultivo seus frutos

e disfruto vermelha maçã

do prazer, do saber, não separo

acolho sem ressaca ou pudor

tanto a fruta do pé que colhi

quanto o inseto ali hospedado

que uma vez já dentro de mim

bate asas, metamorfoseado

domingo, 7 de agosto de 2022

#3C3C3C#

 

noche noche noche

UFOs son coches

cruces cruces cruces

colores agrias

colores dulces

colores cruces coches

noche noche noche

domingo, 17 de julho de 2022

MADURO

Amadurecer emocionalmente é criar uma casca mais grossa? Uma armadura mais dura? Uma roupa de super-herói super tecnológica ou uma pele geneticamente modificada: blinda dos tiros, mas não restringe o movimento.

Quanto de um amadurecimento, se podemos chamar assim, é estabilizar. Adequar os nossos afetos a uma temperatura mais morna e amena... Recusar o superaquecimento e os congelamentos repentinos.

Hay que endurecerse? (Pero sin perder la ternura jamás...) Recusar a apatia, mas não perder. Perder a linha? A compostura? A postura?

A si mesmo?

Aliás, não se trata justamente de aprender a perder? Perder o afeto antes que se perca o interesse.

Perder no jogo dos afetos e dos trâmites do desejo, da negociação dos desejos, do mercado financeiro dos desejos, desigual, abstrato e especulativo: feito para aqueles versados nas regras ocultas e abonados pra começo de conversa.

Perder sem prender. Perder, mas não despedaçar. Perder e despedir. Perder de vista sem perder a vista. Aprender a perder parcelado e à vista.

Pagar o preço da perda sem entrar em falência.

Trata-se de domar o touro? Domesticar a fera? Fazer um delineado no olho do furacão? Transformar o mar aberto, revolto e inóspito na nossa piscina rasa, quente e cheia de urina e cloro?

Ou é muita ingenuidade e delírio de grandeza querer domar o indomável, conter o incabível e medir o incomensurável de acordo com os padrões científicos internacionais de medida?

Talvez a questão é justamente deixar o tsunami passar, mas num ambiente (ao menos um pouco) mais estruturado para conter os seus estragos. Não calar a fera, sem sucumbir a suas provocações. Montar o touro sem domar. E sem cair. E sem ferir. A si, e ao touro (que também é você).

Mas e quando a guarda não está alta e não é mais capaz guardar tudo em si mesmo?

Quando a casca não está grossa o bastante e a dúzia de ovos se despedaça na facilidade com que o vento sopra. Quando o termostato emocional segue desregulado e a mistura desagradável de clara, gema e casca frita aos nossos olhos? Quando não existe uniforme blindado nem pele impermeável e o corpo fere, arranha, dói e sangra.

Talvez a questão seja atualizar o repertório dos poderes para uma impossibilidade mais factível.

Deixar machucar. E machuca.

Para então investir em habilidades de regeneração, para ficar de corpo são, marcado e mole:

pronto pra sentir de novo.

terça-feira, 12 de julho de 2022

segunda-feira, 11 de julho de 2022

ERÓTICA E ONÍRICA

Erótica e onírica

Minha lírica inconsciente

Que aquarela

Rente ao meu sono

Uma narrativa

Ilusão viva

Da pira que ascende molhada

Do fogo que acende com água

Da imagem borrada, embolada

(embolados)

insinuada e óbvia

Delira

Sugere um desejo

Deitada

Levanta ao seu jeito

e sonha acordada

ritmada e ilógica

ternura, forte, dura

e dura, dura, dura

eterna até que não dure

quinta-feira, 19 de maio de 2022

A BULIR


pra abolir tem que bulir

tem que bailar até cansar

deixar esgarçar de tanto usar

fazer acabar de tanto gastar


pra caçar tem que perseguir

olhar muito atento pra poder mirar

fazer estranhar de tanto repetir

perder o sentido de tanto buscar


levar tão a sério pra então poder rir

gostar tanto, tanto, até enjoar

um toque tão frio que possa queimar

a água do tempo que ensina a furar


pra abolir tem que bulir

para bolar tem que embolar

pra abolir tem que ebulir

tem que deixar chiar pra ter silêncio no chá


quinta-feira, 14 de abril de 2022

DIÁRIO OFICIAL

vou decretar nosso fim

no meu diário oficial

em meu boletim

vou publicar esta nota

sobre essa situação

que já me esgota

pr'anunciar que finda

com firma reconhecida

sobram formalidades

pois já não sinto nada por você

é a verdade

matei à queima roupa

foi uma queima de arquivo

e aquele registro vivo

está no chão

jornal antigo

borrado em mijo

de um amigo cão

domingo, 13 de fevereiro de 2022

CAMISA MUITO APERTADA, CALÇA MUITO FOLGADA

Camisa muito apertada
Calça muito folgada
Tropeço no resto de tecido no pé
Peça pronta pra ser descartada
Pegada, pisada, passada
O corpo pende pra frente
Sinto aperto no peito
É a costura ou a caixa?
Tecido e pele confundem seus jeitos
Tórax, pulmão, costela
Quando a falta esconde
E o excesso revela
E vice versa
Quando velar e celebrar
Habitam o fogo da mesma vela
Prestes a ser apagada
Num sopro
Que antecede o suspiro
E sucede o sufoco
E ser tão tão tão tão tão pouco
É caminhar em via de mão dupla
E ainda assim na direção errada
No tamanho do manequim do desconforto
Muito muito muito muito muito
Camisa muito folgada
Calça muito apertada

domingo, 16 de janeiro de 2022

LI.N.G.U.A P.ON.TOS

liga pontos:

liga pintas,

lingua pontos &

pintas

pinta &

pincela com sua...

te pinto com minha...

disca e liga na minha linha

faça o que minha língua diga

liga p.on.tos

desliga e liga

no interruptor com sua l.í.n.g.u.a

de pronto

e on.off.on.on.off.on.on.on.off

e on.on.on.on.on.on &

off

e ponto.

...


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

CONTRA


contra toda sanção
enceno
contra toda escritura
escrevo
para quem me quer escravo do crivo do seu roteiro
desenho
crio meu próprio desejo
paródia
para quem me quer lenhado
sou lenha
da fogueira em que me queimo
onde também eu sou o fogo
onde tão bem eu sou a fuga
pulo no lago e me afogo
logo no rio eu já sou tudo
chego no mar e eu só nado
contra quem me quer mal
às vezes eu mesmo
tento ser do contra
teimo em ser a falha
contra quem me quer destruído
construo, com os escombros
meu edifício
e habito a contradição
contra toda prescrição
sou a contraindicação