volume
aperto
batida
bombeia na
volta
bombeia na ida
bomba
aperto
peito
implode na caixa
explode no vento
Politicamente correto. Na língua, na política. O que é o certo?
O que é a política? A horda de homens brancos ricos do congresso?
Conservadores, reacionários, de família… todos de terno
Que apoiam um fascista em troca de orçamento secreto
O que é a política, se não uma ausência?
Se não o vazio silencioso
Ensurdecedoramente silencioso
De cada corpo: marcado pela violência
O que é a língua?
Uma gramática?
Estática?
Um veículo fixo, neutro e objetivo?
Presente nos dicionários, nas bíblias e nos supletivos?
Um corpo mais morto do que vivo?
Não seria a língua um terreno de batalha?
A faca que em cada corpo entalha
Cicatrizes, tatuagens
Roupagens e a própria pele
A língua que cura e a língua que fere
A língua é a luta entre o correto e a falha
Discurso
Entre o curso violento do rio
E a canoa que resiste e encalha
A língua é a navalha
a navalha de baixo da língua da travesti que fala o pajubá
Da entidade no terreiro que entoa o iorubá
Das letras cifradas no pixo
O pixo agressivo no muro
Um muro muito mais agressivo
Que divide os de cá e os de lá
A língua é filha do latim?
Língua morta?
E cada língua indígena sepultada
No cemitério que chamamos de Brasil?
Não foram dez
Não foram cem
Foram mais de mil
A língua é a pronúncia torta
Do pedreiro analfabeto
Que depreda a língua
Mas que de pedra em pedra
Constrói o teto
Do acadêmico esnobe da academia brasileira de letras
A língua é uma puta treta
A língua é uma puta
A língua diz
A língua escuta
A língua é uma disputa
A língua não é só voz
A língua não é só letra
A língua também é gesto
Do sujeito surdo que desenha com sinais no ar
Verso e prosa, um discurso completo
Toda língua tem sotaque
Dos repentistas, dos atabaques
A língua mãe solo
Sem teste de paternidade
A língua do nordeste?
Eu conheço palavras baianas, sergipanas, alagoanas, pernambucanas, paraibanas
maranhenses, cearenses, piauienses e potiguares
Como existiria uma só língua em tantos lugares?
Uma língua para cada CEP, prédio, apartamento e número de identidade
E a língua do indigente, sem CEP, casa, nem documento
É gente?
De repente a língua se bifurca
Feito língua de cobra na cabeça da medusa
Feito cabeça de Hidra
Em cada tentativa de corte a língua se multiplica
A língua da senhora fina de meia idade
A língua que desafina bêbada num karaoke pela cidade
A língua que desafia toda forma de autoridade
A língua que desfia a roupa e mostra que o rei está nu
O gramático está nu
O latifundiário está nu
O banqueiro está nu
O patriarca está nu
O professor universitário está nu
O corretor da redação do Enem está nu
O bilionário está nu
O empresário está nu
O presidente está nu
A língua que geme quando dá o cu
Sua língua no meu cu
A língua que entope a pessoa de adjetivos
Numa overdose de predicados
A palavra-número que transforma pessoas em dados
Dado lançado à própria sorte
A necro-palavra insulto
Que sepulta o sujeito inculto
mesmo antes do coração ser parado
A necro-palavra morte
Mas a língua é moeda
Tem duas caras
Aliás
A língua é um polígono
De mais de mil faces
Cada uma delas,
um signo
Ela dá régua, compasso
Agulha, linha, tecido, tesoura
e às vezes até máquina de costura
A língua tecitura, colcha de retalhos
Embaralho as cartas e começo outra partida
E me coloco, duque coringa
No meio de uma canastra suja
O que você disse sobre mim, foi meu ponto de partida
Mas não será o meu ponto de chegada
Nem a estrada por mim asfaltada
Com as pedras jogadas no meu corpo no meio da rua
No meu jogo, as regras não são suas
Nas palavras que me fizeram eu mesmo me refaço
Desfaço o laço da minha forca
E pulo corda com a corda que me enforca
E dela, tiro força
Da palavra casta faço palavra festa
E desafio a palavra que cala
Convocando a massa
Integral, nutritiva e colorida
Numa canção que se levanta e protesta